Escrevi um texto, ano passado, chamado Sobre respeito e autonomia - Pietro agora usa brinco em que conto sobre a decisão do Pietro (na época com 5 anos) de querer furar uma das orelhas.
No mesmo texto citei o hábito cultural das pessoas furarem as orelhas das meninas muito cedo, às vezes mesmo com alguns dias de vida, alegando que bebês novinhos não sentiriam dor.
Além disso, existe uma forte motivação estética para tal. É práticamente uma regra que meninAs tenham brincos, para assim serem reconhecidas como mulheres.
Perfurar as orelhas de um bebê parece ser um dos antigos rituais humanos em algumas culturas (principalmente indígenas). Seria um "rito de passagem",
Famílias em todo o mundo têm mantido esta tradição por milhares de anos, mas... Por quê somente com as meninas?
Será que as famílias pensam realmente se devem ou não ter as orelhinhas da bebê perfuradas, ou simplesmente o fazem sem pensar?
Será que a dor realmente é menor ou quase inexistente em bebês?
Por quê não podemos esperar até a criança atingir mais idade, para então escolher se quer ou não ter brincos, e se preparar para o momento da dor?
Conheço muitas mulheres adultas que não gostam de usar brincos.
Por outro lado, também conheço muitos homens que têm uma ou as duas orelhas furadas.
Isso sem falar nas celebridades masculinas adeptas do uso de brincos:
Por quê somente com as meninas?
Não consegui encontrar algum registro cultural que defina onde foi que essa tradição se tornou "obrigatória" somente às meninas.
Porém, ao analisarmos fatos históricos da sociedade patriarcal em que (ainda) vivemos, conclui-se que ele representa um ato de dominação sobre o corpo da mulher que se inicia desde cedo.
Basicamente é uma forma de se deixar claro desde o nascimento, que o corpo não pertence a ela (a menina) e sim aos adultos. Que o corpo dela não é dela, e que pode ser invadido por conveniência de outras pessoas, independente se isso causar dor, risco de saúde ou humilhação.
Que entre o bem estar delas e a estética, a estética é mais importante.
Pode parecer bobagem, mas você já parou para pensar nisso?
Será que as famílias pensam realmente se devem ou não ter as orelhinhas da bebê perfuradas, ou simplesmente o fazem sem pensar?
Perfurar as orelhas de uma menina, ainda enquanto é bebê, é uma modificação corporal feita com o intuito de ser uma marca de gênero. Para saberem que ali está uma criança designada como menina.
Tais limitações de gênero na primeira infância são uma das características de uma sociedade onde a desigualdade de gêneros impõe formas extremamente diversas de tratamento para as pessoas devido ao gênero designado a elas. Por isso ainda vivemos em uma sociedade extremamente homofóbica, preconceituosa e intolerante.
Será que a dor realmente é menor ou quase inexistente em bebês?
Esse é o grande argumento das famílias para justificarem a perfuração das orelhas de bebês.
Na minha opinião, é uma forma de se esquivar da culpa por fazer a criança passar pela dor, sem ao menos ter tido a chance de optar por ela.
"O estudo analisou 10 crianças saudáveis com idades entre um e seis dias de idade e 10 adultos saudáveis com idades entre 23 e 36 anos. Os bebês foram recrutados a partir do Hospital John Radcliffe, em Oxford, e voluntários adultos foram recrutados entre estudantes e a equipe da Universidade de Oxford.
Durante a pesquisa, os bebês, acompanhados pelos pais e corpo clínico, foram posicionados em um scanner de ressonância magnética enquanto dormiam. Exames de ressonância magnética foram então realizados enquanto os bebês recebiam uma leve “picada” em seus pés – como se fosse a picada de um lápis - leve o suficiente para não acordá-los. Esses exames foram então comparados com imagens do cérebro de adultos expostos ao mesmo estímulo de dor.
Os pesquisadores descobriram que 18 das 20 regiões cerebrais ativas durante a dor em adultos estavam ativas em bebês. Os resultados da ressonância magnética também mostraram que os cérebros dos bebês tiveram a mesma resposta a um fraco 'puxão', como ocorreu em adultos com um estímulo quatro vezes mais forte. Os resultados sugerem que não só os bebês têm uma experiência com a dor muito parecida com os adultos, mas que eles também têm um limiar de dor mais baixo."
Leia mais sobre os resultados da pesquisa feita pela Universidade de Oxford:
E se você ainda tem dúvidas quanto à dor, assista esses vídeos e observe atentamente as reações dessas bebês:
Recém-nascida, vídeo no Facebook: https://www.facebook.com/1522875671310667/videos/1586444824953751/?pnref=story
Bebê de 4 meses, vídeo do Youtube:
Recém-nascida, vídeo no Facebook: https://www.facebook.com/1522875671310667/videos/1586444824953751/?pnref=story
Bebê de 4 meses, vídeo do Youtube:
Por quê não podemos esperar até a criança atingir mais idade, para então escolher se quer ou não ter brincos, e se preparar para o momento da dor, sendo menino ou menina?
Então, se já sabemos que SIM, bebês sentem dor, e que perfurar as orelhas das meninas é mera motivação por estética, por quê não deixamos as crianças serem crianças, aproveitarem suas fases, e então no momento certo para elas em que optarem por terem o adereço, poderíamos acompanhar responsávelmente o processo?
Procurar um local adequado, com instrumentos esterilizados, e conversar MUITO sobre o que estará por vir.
Assim estaremos ensinando sobre responsabilidade, consequências de nossos atos, a fazerem escolhas próprias, a respeitarem seu próprio corpo, sua saúde e integridade. Tudo isso em um ato aparentemente simples, mas que carrega muito mais do que uma tradição estética.
Adultos precisam parar de verem crianças como propriedade. "A filha é minha, faço o que quiser!" - Isso é um absurdo.
Cabe a nós, famílias, educarmos positivamente essas crianças, pois são elas que conviverão em sociedade com as outras muito em breve. E que tipo de sociedade queremos ter?
Por quê é que se flagrarmos uma pessoa furando as orelhas de um filhote de cachorro, por exemplo, a denunciamos por maus-tratos, e quando isso acontece com uma bebezinha simplesmente achamos normal?
Fica aqui meu convite a reflexão.
Fontes: links no texto, opiniões pessoais e comentários de Sarah Helena (educadora).
Fontes: links no texto, opiniões pessoais e comentários de Sarah Helena (educadora).